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Foto do escritorClube Diadorim

Mayombe - Pepetela


No imaginário da literatura em língua portuguesa, dificilmente autores que não pertençam a Portugal ou ao Brasil vêm a ponta da língua para serem citados. Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepetela, configura-se como uma exceção. Ganhador do Prêmio Camões em 1997, é o escritor angolano mais vendido e traduzido do mundo todo - ainda que pouco popular em terras brasileiras. Diante disso, é importante lembrar: a língua portuguesa é o idioma oficial em nove países, sete deles encontram-se no continente africano. Pepetela é exceção, onde, numericamente, não deveria ser. É necessário, antes de tudo, refletir o que faz com que autores em língua portuguesa africanos não tenham o mesmo alcance dos demais e, também, a importância de uma obra como Mayombe na lista de um dos maiores vestibulares do Brasil, a FUVEST, para que tal quadro seja repensado e reorganizado.


Mayombe foi escrito entre os anos de 1970 e 1971, período em que o autor atuava como guerrilheiro no Movimento Pela Libertação de Angola, e publicado em 1980. A motivação do autor surgiu da necessidade de realizar um comunicado que seria transmitido em uma estação de rádio sobre a situação em que se encontravam. Pepetela sentiu que o comunicado não corresponderia à altura as vivências e sentimentos que aconteciam por ali. A partir de então, começa a escrever o romance que, rapidamente, ultrapassa a forma de registro fiel para atingir as camadas da ficção. Em uma entrevista, o escritor afirmou que escrever era um exercício de compreensão daquilo que ele vivia. Narrar a guerra em terceira pessoa, como quem conta a partir da ótica de outro ser humano, seria próximo a experiência de sair do próprio corpo.


A obra se divide em seis capítulos. Em primeira instância, o destaque é a forma polifônica da narração, pois ela oscila entre alguns dos personagens, que formam uma base guerrilheira na floresta do Mayombe, de maneira marcada, com letras em caixa alta, onde se apresentam. Com exceção de João, o Comissário, não temos contato com o nome real dos combatentes, apenas dos seus codinomes de guerra. Quando tomam palavra para si, mesclam-se os eventos da guerra - e as relações por ela estabelecidas - com lembranças pessoais. Por conta dessa multiplicidade de vozes, em tese, não há personagem principal, apesar de sobressaírem as histórias do Comissário e do comandante Sem Medo. Além disso, não é à toa que a obra leva o nome da floresta, pois ela é apresentada, diversas vezes, como algo vivo, personificado, responsável por “parir” a base guerrilheira e torná-los extensões dela mesma.


Apesar do pano de fundo ser a guerra pela libertação do povo angolano, o romance não tem como foco as batalhas em si. Os conflitos principais não são entre angolanos e portugueses, mas sim os humanos. Homens corajosos, dispostos a encarar a guerra, mas imperfeitos e contraditórios, hora capazes de realizar atos de extrema bravura, hora incapazes de admitir a expressão da liberdade feminina. Mayombe é sobre a construção política e identitária da Angola, as dificuldades de vencer as diferenças impostas pelo tribalismo e edificar a ideia de uma nação capaz de ser independente, mas principalmente sobre a condução demasiadamente humana do combate aos efeitos nocivos de um processo de colonização.


Isadora Garcia

Lê o mundo e se reveza entre uma xícara de café e outra de chá

Leitora do Clube Diadorim


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