Vozes de Tchernóbil - Svetlana Aleksiévitch
Atualizado: 28 de ago. de 2020
As pungentes vozes de Tchernóbil
No ano de 2015, o Prêmio Nobel de Literatura foi concedido à ucraniana Svetlana Aleksiévitch. Como era de se esperar, sina de toda autoria agraciada com o Nobel, as obras de Svetlana tiveram destaque no mundo. No Brasil, o primeiro livro lançado da autora foi Vozes De Tchernóbil. Escrito e publicado originalmente em russo no ano de 1997, chegou ao Brasil somente 20 anos depois, com edição da Companhia das Letras e com tradução, direto do russo, de Sonia Branco.
A obra conta a vida de pessoas que silenciosamente caíram no esquecimento, apresenta relatos de quem viveu direta e indiretamente as consequências de um dos maiores desastres nucleares da história. A Central Nuclear de Tchernóbil se localizava no norte da Ucrânia, fazendo fronteira com a Bielorússia. Vista como uma das mais potentes pela URSS, a usina era uma central nuclear responsável por produzir 10% da energia elétrica ucraniana através da utilização do calor produzido pela reação de materiais radioativos. No ano de 1986, durante a madrugada do dia 26 de abril, um dos reatores da usina nuclear se consumiu em chamas. Quem viu de perto contou que foi uma bonita chama, uma mistura de cores brilhantes que alcançavam as nuvens (o brilho era decorrente da queima de elementos altamente radioativos, tais como o urânio-235, césio-137, iodo-131...). Naquela época, a população não sabia ao certo sobre os perigos da radioatividade, desinformação que acentuou ainda mais os danos à saúde das vítimas. Somente após 36 horas do acidente é que as pessoas de Prípiat foram retiradas de suas casas (sem qualquer explicação ou cautela). Prípiat era a cidade que abrigava os moradores da Usina Nuclear de Tchernóbil e que ficava a 4km do reator afetado.
Pela rádio, éramos advertidos da necessidade de evacuar a cidade dentro de três a cinco dias, que levássemos conosco agasalhos e roupas esportivas, que iríamos viver nos bosques. Em barracas. As pessoas chegaram a se alegrar: “Vamos à natureza! Vamos comemorar o feriado de Primeiro de Maio”. Algo incomum. Prepararam carne assada, compraram vinho. Levavam violões, toca-fitas. Adoráveis festas de maio. Só as mulheres que tiveram os maridos vitimados choravam. (ALEKSIÉVITCH, 2016, p. 19)
O depoimento acima, de umas das personagens do livro, revela a omissão do governo, um silêncio que agravou consideravelmente os danos à saúde da população. O livro de Svetlana faz um percurso contrário ao do discurso histórico, no lugar de datas e fatos, ele procurar narrar como as vítimas sentiram na alma o desastre nuclear (expressão usada pela própria autora). Ao longo da leitura percebemos que, por mais comoventes que sejam os relatos, chocar não será a principal intenção do livro. O objetivo ímpar é manter viva a memória desses personagens reais.
Pela força da estética literária, Vozes de Tchernóbil é belo, seduz; pelo efeito de real da força histórica, fere. Por isso é pungente, porque fere docilmente. No dicionário, pungente é ao mesmo tempo aquilo que fere, mas que também estimula; aquilo que penetra e comove.
Carina Adriele Duarte de Melo
Mãe do Gato Chico e dos bad dogs Jack e Capitu
Das Letras e Leitora do Clube Diadorim
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